quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Trabalhos de Campo - Profa. Márcia

Imagem do Google das Cataratas do Iguaçu

Peço a licença de postar no Blog, um blog de impressões e considerações sobre a Tríplice Fronteira. Já fiz vários trabalhos de campo com meus alunos da disciplina de Geografia do Brasil na região, visitando as três cidades, com vários professores. Embora cansativo, o trabalho de campo rendeu resultados que me fizeram repeti-lo. Vocês não imaginam como eu me sinto ao ler a as cadernetas de campo e os relatórios de cada um (a) e verificar que a ligação entre a teoria e a prática foi conseguida por vocês. É uma responsabilidade que tenho anualmente ao receber formandos, sempre em crise diante da formatura e tendo por trás três anos de amizades e problemas.
Neste ano de 2009 eu e o Omar decidimos fazer duas idas com turmas separadas. Mas as agendas dos alunos formaram dois grupos misturados e isso foi muito bom. Outra novidade foi a proposta do blog. Os roteiros propostos para cada turma está nesse blog.
Em novembro de 2005 eu escrevi essas impressões:
O que é um trabalho de campo? Para muitos é uma excursão, para outros um laboratório social, e para poucos um cansaço com oportunidade de conhecer melhor as pessoas e os lugares. Os micos das várias viagens ficaram por conta de uma seleção de funk da Tati Quebra Barraco que não agradou ao professor Vladimir (coisa da turma do Matutino em 2005). Afinal, concordamos em levar “trilhas sonoras” e ver qual seria a melhor. Depois disso, a música desse trabalho ficou sendo Galopeira, cantada pela Perla. Ou ainda a parada em Medianeira pela Polícia Federal e o micro-ônibus inteiro estava mais ocupado em fazer as anotações na caderneta. A policial não entendeu nada e liberou. O segundo mico foi ser chamada pelo alto-falante do Duty Free na Argentina pelos alunos: - Professora Márcia Siqueira de Carvalho, por favor, comparecer no saguão de entrada. Um aluno gaiato espalhou de gozação para duas colegas que a entrada era paga e elas ficaram brabas comigo por terem de pagar pra entrar...
O resto está em


http://geografiadavida.spaces.live.com/?_c11_BlogPart_BlogPart=blogview&_c=BlogPart&partqs=amonth%3d11%26ayear%3d2005 e as fotos também.
Ano passado, em 2008, foi trash. Uma aluna voltou e ficou no hotel por ter tinha esquecido a carteira de identidade em Londrina e não pode entrar na Argentina. Quando chegamos lá, já para voltar para Londrina, tinha acontecido um assalto nas dependências do hotel e ela estava fazendo o Boletim de Ocorrências na delegacia. Depois disso fiquei exigente quanto à carteira de identidade para entrar no ônibus em Londrina. Ou a fila do banho de mais de 30 pessoas num único banheiro antes da volta, cedido gratuitamente pelo Hotel Sandiego. Cinco minutos para cada um marcado no relógio. Outro momento inesquecível foi a viagem de ida no ônibus de linha de Puerto Iguazu ao Parque Nacional argentino, lotado por nós e com gritos relacionando mãos e traseiros, obviamente impublicáveis. Os turistas ficaram meio assustados. Parecia que estávamos no 306 indo pra UEL em horário de pico.

Uma recordação desse espírito pode ser visto em http://geografiadavida.spaces.live.com/?_c11_BlogPart_BlogPart=blogview&_c=BlogPart&partqs=amonth%3d10%26ayear%3d2008_c11_BlogPart_BlogPart=blogview&_c=BlogPart&partqs=amonth%3d10%26ayear%3d2008_c11_BlogPart_BlogPart=blogview&_c=BlogPart&partqs=amonth%3d10%26ayear%3d2008, afinal nem tudo é trabalho, não é Pastor Fábio?
Há outros álbuns de imagens dos trabalho de campo de 2008 quando o levantamento foi feito na Ciudad del Este e podem ser acessados em:















Figuras 2, 3 e 4: Cataratas, a sede do porto sob a água em Puerto Iguazu e área próxima da Ponte da Amizade (Foz do Iguaçu-BR).

Em 2009 o mico ficou por conta do azar da turma que viajou na segunda ida, com direito ao temporal, granizo, poças enormes, apagão e guardas particulares nervosos e armados em Ciudad del Este. No lado brasileiro, árvores e placas publicitárias caídas. As fotos acima ajudam a descrever o que passamos.
Há muitas histórias, mas fica por conta de uma cervejada, quando a língua afrouxa e a memória fica mais clara.
A seguir, minhas anotações e algumas fotos.



Figuras 5, 6, 7 e 8: Aduana argentina, Hotel Panoramico, Hito de las tres fronteras (AR) e Spa Hotel junto ao Hito.


Ao visitarmos com frequencia os lugares conseguimos ter uma idéia das mudanças recentes. Puerto Iguazu mudou em relação à ampliação da rede de esgotos, há um hotel muito luxuoso (Panoramico Figura 6) reformado e em atividade e um novo cassino. Os agentes da Aduana (Figura 5) agora são mais jovens e menos chatos. Nota-se que a cidade está investindo no turismo para várias faixas de renda que tem como referências o Hito (Figura 7) e o Parque Nacional. Próximo ao Hito a rede hoteleira varia desde um Spa luxuoso aos chalés e pousadas mais  simples.                                                                                   

A exploração infantil e de jovens tem apoio tíbio, e nas andanças na zona 5, perto do Hito, vi uma casa muito simples, quase uma casa comercial de dois cômodos onde funciona uma ONG bastante precária (Figura 9).

Figuras 9 e 10

Em Ciudad del Este, há um novo shopping center (Figura 10) e as tentativas de organizar o uso das calçadas e ruas inaugurou a padronização das barracas num calçadão no lado direito de quem entra. Mas foi em vão, pois os ambulantes e novos mesiteros continuam aumentando. Continuam as calçadas sujas, o esgoto escorrendo, os fios com inúmeros gatos, as fachadas dos prédios ocultos por painéis de propaganda (Figura 11), o crescimento vertiginoso dos mototaxistas, a exploração sexual infantil e jovens no trabalho informal ilícito. Assim como as mini saias das atendentes do Shopping China com um make up carregado. E muito contrabando apesar da atuação da Polícia Federal e da receita Federal. A chacina de Guaíra chocou o país. Os crimes que acontecem cotidianamente em Foz numa progressão crescente só choca quando são divulgados os índices do Atlas da Violência no Brasl. Infelizmente depois ficam esquecidos.
Figuras 11 e 12

Fernando Rabossi ao escrever sua tese de doutorado (Nas ruas da Ciudad del Este) nos ajuda a ver o que nossos olhos não enxergam: uma ordem no caos (Figura 12). A dissertação da Cristiane sobre a legislação ambiental nas Três Fronteiras mostra o que há e o que falta em relação às três cidades visitadas: Foz do Iguaçu (BR), Puerto Iguazú (AR) e Ciudad del Este (PY). E a tese do Marcos Roseira informa a importância da cidade de Foz para o aglomerado que reúne as três cidades. Todas elas e mais um pouco estão disponíveis em
http://www.4shared.com/account/dir/13063842/64b0a54c/sharing.html?rnd=86

A junção das disciplinas de Geografia do Brasil e Biogeografia não é aleatória. A indicação da leitura do livro de Warren Dean, A Ferro e Fogo, mostra sob o ângulo de várias histórias, a sucessão dos usos do territóio brasileiro tendo um início comum da destruição da Mata Atlântica. No campo visitamos o que restou sob o uso territorial de Parques Nacionais. Do lado paraguaio, a região desenvolveu uma agricultura moderna pela migração dos brasiguaios na década de 1970 e 1980, pouco restando  da vegetação original nessa faixa de fronteira. No lado argentino, ainda há cobertura original. No lado brasileiro, a ocupação da região sudoeste tomou força no breve período na década de 1940 em que existiu o Território do Iguaçu, criado por Getúlio Vargas e dividido entre empresas colonizadoras gaúchas. Daí o sotaque distinta encravada na região de fronteira. Não custa lembrar que no período colonial essa região estava sob domínio espanhol que cedeu-a para que os jesuítas desenvolvessem um trabalho missionário entre os índios - a Província do Guairá. Foi o primeiro uso desse território cujas ruínas se espalham pela Argentina, Paraguai e área fronteiriça do Rio Grande do Sul. Após tratados diplomáticos, mais do que as terras e os índios, a região de fronteira tinha como caminho natural o rio Paraná até a Bacia do Prata. A exploração da erva mate por empresa argentina no início do século XX utilizou mao-de-obra paraguaia e brasileira nos lados argentino e brasileiro. A exploração do mate por  brasileiros foi a responsável pela pequena ferrovia que ligava Porto Monjoli (Guaíra) e em 1917, quando um grupo de médicos sanitaristas visitou as margens dos principais rios paranaenses encontrou uma população cabocla doente de malária, febres, tuberculose entre outras doenças.
Olhando as pessoas nas ruas, lá ainda estão os guaranis, mestiços, estrangeiros, argentinos, brasileiros, paraguaios, vendendo e comprando, atravessando a fronteira, circuitos superior e inferior se tocando em simbiose.
Yguassu - Em pleno verão de 1918 percorremos toda a zona deste municipio que margeia o rio Paraná.
Em Porto Mojoli, districto de Guayra, junto aos saltos do mesmo nome, existe endemicamente o impaludismo,
 tendo havido repetidas epidemias. Quando lá estivemos 10% de sua população, que sóbe a 1200 pessoas, soffriam de impaludismo agudo. Verificámos que grande numero de casos era de importação de Matto-Grosso. Muitos casos que verificámos ser de terçã maligna eram procedentes de Trez Lagôas. A empreza Matte Larangeira mantem em Porto Mojoli um medico e um pharmaceutipo, tem hospital e pharmacia. Em Zororô, Porto Mendes, Porto Bela Vista, etc., não têm apparecido casos. de malaria. Na séde da comarca, a cidade do Yguassu, tambem não vimos nenhum doente dessa in:fecção, entretanto, essa cidade tem sido theatro de grandes epidemias de malaria, registrando-se como mais extensa a de 1905 e 1906. Yguassu não tem medico nem pharmacia. Notámos, com certa admiração, a raridade de mosquitos em Yguassu junto aos saltos de Santa Maria, durante o mez de Fevereiro de 1918 (ARAUJO, 1919, P. 270).
Figura 13                           
Nada seria igual sem o auxílio de Milton Santos e María Laura Silveira na proposta de território e uso do território. Afinal, fica mais clara a nossa identidade quando nos confrontamos com o diferente, com o castelhano, o portunhol, o português e o guarani na fronteira. O documento formal de identidade, por outro lado, é o que nos permite entrar no outro lado. Se a minha língua é a minha pátria (Caetano Veloso) como podemos definir essa babel que reúne tantas culturas e etnias?
Nos rádios dos táxis as músicas cantadas são em castelhano. Pagamos as contas em Reais ou fazemos o câmbio em dólares ou pesos argentinos. Conhecemos uma das inúmeras Argentinas além da imaginária Buenos Aires e o tango. Conhecemos de perto o litro da cerveja Quilmes (figura 13), os alfajores, e quase acreditamos na lenda urbana da camisinha cantante (Essa toca Galopeira, senhorita!), fomos assediados por jovens vendendo todo o rol de ilícitos. De tudo, ficou uma caderneta de campo, as roupas molhadas que secaram, o retorno  dos exaustos e o relatório presente. Afinal, somos geógrafos.

Referências
ARAUJO, Heraclides C. de Souza. A Profilaxia Rural no Estado do Paraná: esboço de Geographia Medica. Livraria Economia. Curitiba: 1919.